
O cenário indie de games de terror tem se tornado uma das forças criativas mais interessantes da indústria de jogos. Com orçamentos menores, mas liberdade criativa muito maior, estúdios independentes conseguem explorar temas densos, atmosferas opressoras e mecânicas experimentais. Post Trauma, desenvolvido pelo estúdio espanhol Red Soul Games e publicado pela competente Raw Fury, se insere nessa linha como um tributo direto aos clássicos do survival horror, tentando revisitar sensações e angústias dos jogos das décadas de 90 e 2000, como Silent Hill e Resident Evil.
Lançado em 2024, o jogo ganhou atenção desde sua demo inicial, que chamou a atenção nas redes sociais pela ambientação desconcertante e abordagem cinematográfica. Agora com a versão completa disponível, Post Trauma se revela um projeto ousado e com boas intenções, mas que tropeça na execução de alguns de seus pilares mais importantes.
Enredo…
Em Post Trauma, acompanhamos Roman, um homem de meia-idade que acorda em um local estranho, sombrio e decadente. Confuso e assombrado por visões grotescas, ele tenta compreender se está em um pesadelo, em um hospital abandonado, ou na fronteira entre realidade e ilusão. A jornada é íntima e silenciosa — o jogo não entrega respostas fáceis, e muito da interpretação fica a cargo do jogador.
Roman é um personagem que foge dos arquétipos jovens ou heroicos do gênero. Ele é frágil, introspectivo e se move com lentidão, como se cada passo fosse um fardo. Isso contribui para a atmosfera pesada, mas também impõe limitações à jogabilidade. Ao longo do caminho, encontramos outros personagens — figuras enigmáticas, que parecem parte do passado de Roman ou manifestações de sua culpa e trauma. Embora essas figuras despertem curiosidade, suas histórias são apenas pinceladas e, infelizmente, não recebem o desenvolvimento necessário para gerar empatia ou aprofundar o mistério central.
O enredo, apesar de promissor, acaba sendo mais uma moldura atmosférica do que um motor narrativo forte. A ausência de documentos, arquivos ou diários — elementos comuns em jogos de terror — limita a construção de mundo e impede que o jogador mergulhe mais profundamente no que está acontecendo.
Gameplay…
A estrutura de Post Trauma tenta homenagear o survival horror clássico por meio da escolha das câmeras. O jogador experimenta momentos com câmera fixa (como nos primeiros Resident Evil), seções em terceira pessoa por cima do ombro (estilo Dead Space) e segmentos em primeira pessoa, geralmente usados para aumentar a imersão. A ideia é criar tensão constante, aproveitando ângulos fechados e limitados, mas o resultado é inconsistente.
Em certos momentos, os ângulos são bem utilizados, acentuando o medo do desconhecido, escondendo inimigos ou revelando o cenário de forma impactante. Em outros, a troca de câmeras atrapalha a movimentação e desorienta o jogador, tornando seções simples em experiências irritantes.
Por outro lado, os puzzles são o grande ponto alto do jogo. Inteligentes, variados e muitas vezes integrados ao ambiente, os enigmas exigem atenção, leitura de símbolos e manipulação de objetos. Eles trazem a sensação de recompensa por explorar e observar. O jogo raramente segura a mão do jogador nesses momentos, o que ajuda a construir tensão e engajamento.
O combate, infelizmente, é o aspecto mais fraco. Não há um sistema de trava de mira, o que torna o enfrentamento com inimigos (especialmente em espaços pequenos) uma experiência frustrante. Roman se move de forma lenta, e o sistema de colisão falha em vários momentos, prejudicando a precisão dos ataques. A ausência de um sistema de esquiva ou bloqueio também limita as estratégias do jogador, deixando o combate simplório e punitivo, mas não de forma proposital como em Dark Souls — e sim por falta de refinamento.
Atmosfera…
Se existe um mérito que não pode ser negado a Post Trauma, é a sua direção de arte. Os cenários são angustiantes, claustrofóbicos e repletos de detalhes grotescos. Texturas sujas, iluminação baixa, sons ambientais incômodos e efeitos de distorção ajudam a criar um mundo que parece respirar sofrimento.
É notável a influência de Silent Hill na ambientação: corredores que se transformam, quartos que mudam de forma, ruídos metálicos à distância, figuras distorcidas que sussurram em línguas estranhas. Há um esforço claro para fazer com que o próprio cenário seja um personagem — e isso funciona bem.
O problema é que, mesmo com toda essa atmosfera, falta substância. O jogador sente o peso do ambiente, mas raramente entende o porquê. Sem textos ou elementos narrativos que construam uma mitologia própria, o terror visual acaba sendo apenas visual. O medo está presente, mas o contexto que o tornaria significativo não está.
Conclusão…
Post Trauma é um jogo que tenta muito — e em alguns momentos, consegue. Ele tem alma, tem visão artística e tenta se destacar no saturado mercado de terror indie. A inspiração nos clássicos é clara, mas falta lapidação. Falta narrativa. Falta combate refinado. E, principalmente, falta consistência.
Se você é fã de jogos de terror psicológico e valoriza puzzles criativos e uma boa ambientação acima de tudo, há valor em experimentar Post Trauma, especialmente considerando que é um título indie. Mas se sua prioridade está em histórias profundas, personagens marcantes e gameplay fluido, talvez seja melhor esperar por atualizações ou por um próximo projeto do estúdio.
Review – Post Trauma
Atmosfera tensa e opressora - 7.5
Puzzles bem elaborados e inteligentes - 7.5
Direção de arte impactante - 7
Homenagem respeitosa aos clássicos - 7
Combate pouco funcional e frustrante - 6
Personagens e narrativa rasos - 5.5
Falta de conteúdo explicativo - 5
6.5
Bom!
Post Trauma é como um sonho ruim — perturbador, cheio de simbolismos, mas que se desfaz quando você tenta entender. Vale a pena para os fãs do gênero e para quem busca uma experiência diferente, mas está longe de ser um novo clássico do terror indie.